Curvas de nível verde como técnica de nucleação para recuperação de áreas degradadas
Na Kinross Brasil Mineração, em Minas Gerais, técnicas de nucleação estão sendo utilizadas para a recuperação de áreas de empréstimo (silte e argila)
Por Gabriel Vargas Mendonça, Osmar Alves Ferreira e Alexandre Siqueira Araújo (*)
Atualmente, técnicas de nucleação são amplamente utilizadas para a recuperação de ambientes, uma vez que permitem o aumento da biodiversidade local, seguindo as etapas naturais de sucessão ecológica da floresta nativa, onde os núcleos criados atraem a biodiversidade das áreas circundantes. Alguns autores consideram a nucleação um dos melhores métodos para promover a sucessão em áreas degradadas.
O uso de várias técnicas de nucleação produz uma variedade de fluxos naturais da área degradada, aumentando a conectividade da paisagem. Uma vez iniciado, o processo de regeneração natural começa rapidamente. Em poucos anos, ele irá evoluir para estágios mais avançados da regeneração, levando ao estágio sucessional clímax. No entanto, essas áreas dificilmente apresentam sucessão natural sem intervenção, o que leva à necessidade de introdução de espécies florestais, a fim de catalisar o processo de sucessão. Na Kinross Brasil Mineração, localizada em Minas Gerais, técnicas de nucleação estão sendo utilizadas para a recuperação de áreas de empréstimo (silte e argila). A metodologia consiste basicamente no plantio de mudas nativas e na disposição de topsoil e material lenhoso oriundo da supressão de vegetação em áreas licenciadas, ao longo de curvas de nível onde o solo está exposto. Seu objetivo é fornecer o controle da erosão e estabelecimento da vegetação. Ao longo destas curvas (curvas de nível verde), sementes viáveis de espécies lenhosas são introduzidas e encontram condições favoráveis para o desenvolvimento, enquanto as espécies de animais que são atraídas e atuam como polinizadores e dispersores. O material lenhoso é incorporado no solo e aumenta a disponibilidade de nutrientes. Baseado na importância das florestas para a manutenção da qualidade ambiental, o presente estudo investigou a eficácia das técnicas de nucleação em áreas degradadas pela mineração. As avaliações foram realizadas mensalmente ao longo de um ano. O plantio de direto de mudas e o estabelecimento das curvas de nível verde (núcleo de galharias) foram as técnicas mais eficientes, proporcionando o estabelecimento inicial da comunidade vegetal.
1.Introdução
A necessidade de conciliar as áreas produtivas com áreas de conservação, de forma a provocar uma sinergia entre estas paisagens fragmentadas é imprescindível mediante o desenvolvimento socioeconômico atual. Neste contexto, a recuperação de áreas degradadas, principalmente no sentido de aumentar a conectividade entre remanescentes naturais, torna-se uma ação vital para manter a qualidade de vida sobre os distintos ecossistemas.
Côrrea (1998) afirma que ecossistemas naturais que sofreram alterações significativas na estrutura do solo e da vegetação são considerados degradados quando não conseguem retornar à condição original sem a intervenção antrópica. Assim, quando as condições ecológicas da área são adequadas, a regeneração desenvolve-se naturalmente. Contudo, em áreas degradadas, devido à alteração das condições ecológicas, a intervenção antrópica é necessária para a recuperação e posterior restauração florestal. Em geral, substratos de áreas degradadas apresentam baixa disponibilidade de nutrientes, baixa capacidade de retenção de água e alta compactação do solo, características que dificultam o desenvolvimento radicular de plantas e que impedem a regeneração natural (Felfili et al., 2008).
O processo de exploração de recursos minerais, regulamentado pela legislação brasileira e que segue critérios definidos no processo de licenciamento ambiental, pode gerar passivos ambientais. Dessa forma, as empresas mineradoras que possuem a licença de lavra têm por obrigação recuperar a área degradada pela mineração. Essa obrigação advém da necessidade de retenção da camada superficial de solo, contenção de erosão, manutenção da biodiversidade e da beleza cênica, sendo o plantio de mudas indicado para locais onde, além da cobertura vegetal, foram também eliminados os meios de regeneração natural, como o banco de sementes, de plântulas e possibilidade de rebrota (Felfili et al., 2008).
Sendo assim, quando há impedimento ao processo de regeneração natural, essa pode ser estimulada como forma a facilitar a restauração ecológica, acelerando-a (Venturoli, 2011). Para isso, busca-se conhecer os fatores condicionantes à regeneração natural. De acordo com Reis et al. (2014), uma nova tendência de restauradores prima por resgatar modelos de conservação da biofuncionalidade e resgate de interações entre organismos do sistema (Reis et al., 2003, 2010; Durigan et al., 2010;), deduzindo que os fenômenos eventuais têm maior importância do que os normais. O restaurador atua como promotor de eventualidades no sentido de conservar contextos e processos do sistema.
Diversas técnicas têm sido estudadas como forma de promover a restauração ecológica de ambientes degradados. Dentre elas destacam-se as técnicas de nucleação (Reis et al., 2010), os plantios de espécies arbóreas consorciados com espécies forrageiras (Miranda et al., 2011), os plantios de espécies forrageiras para aumentar a cobertura do solo (Castro et al., 2011) e os plantios de espécies arbóreas (Felfili et al., 2008; Venturoli, 2011).
As técnicas de nucleação, utilizadas no presente estudo, são compreendidas como a capacidade de proporcionar uma expressiva melhora nas condições ambientais no sentido de resgatar a funcionalidade local e atrair a diversidade. Com isso, permite uma ampliação na probabilidade de ocupação por outras espécies (Reis et al., 2010).
O presente trabalho teve como objetivo a recuperação de área degradada pela exploração de silte e argila na mineradora Kinross Brasil Mineração S/A, em Paracatu, Minas Gerais, a partir de diferentes técnicas de nucleação, como plantio direto de mudas nativas, transposição de solos e, principalmente, núcleo de galharias (curvas de nível verde).
2. Materiais e métodos
2.1. Caracterização da área de estudo
A mineradora Kinross Brasil Mineração S/A (KBM) está localizada no município de Paracatu, Minas Gerais. A região encontra-se inserida nos domínios do bioma Cerrado, caracterizado como uma savana floristicamente rica (Walter et al., 2008), já que o bioma é formado por um mosaico de comunidades pertencentes a um gradiente de formações ecologicamente relacionadas (Ribeiro & Walter, 2008). Considerado a segunda maior formação vegetal do Brasil, o Cerrado apresenta grande diversidade fisionômica e florística. Suas fisionomias são classificadas em florestais (cerradão, florestas estacionais ou matas secas, matas de galeria e mata ciliar), savânicas (cerrado sensu stricto, parque cerrado, palmeirais e vereda) ou campestres (campo limpo, campo sujo e campo rupestre) (Ribeiro & Walter, 2008).
O clima da região pela classificação de Köppen enquadra-se no tipo Aw, tropical de savana com inverno seco, onde a temperatura média do mês mais frio é superior a 18,0°C. O regime pluviométrico é tipicamente tropical, com concentração de chuvas no verão e seca no inverno. O trimestre mais chuvoso corresponde aos meses de novembro a janeiro. Já o período seco estende-se normalmente por cinco meses e correspondem aos meses de maio a setembro. O índice pluviométrico anual é de 1200 mm a 1500 mm (ZEE/MG, 2015).
De acordo com o mapa de solos do Estado de Minas Gerais, a área alvo do plano de recuperação de área degradada (PRAD) é caracterizada pela ocorrência predominante de Latossolo vermelho distrófico (LVd2). Ocorrem associações com Cambissolo háplico distrófico (CXbd) e Neossolo litólico eutrófico (RLe1).
2.2. Procedimentos técnicos
2.2.1. Cercamento da área
O cercamento da área de estudo foi realizado em agosto de 2013 para impedir o acesso de criação de propriedades vizinhas, porém possibilita o acesso da fauna de pequeno porte, proveniente de fragmentos florestais adjacentes.
2.2.2. Aplicação das técnicas de nucleação
O experimento foi instalado em uma área de 5,0 ha que, após a exploração de silte e argila, foi preparada para o plantio de mudas, com recobrimento de alguns trechos com a camada superior do solo original (topsoil) que foi retirado antes da exploração e armazenado para esta finalidade. O processo de recobrimento do material exposto foi feito associado à terraplenagem, estabilizando topograficamente o terreno a fim de evitar processos erosivos.
As seguintes técnicas de nucleação, baseadas em Reis et al. (2003), foram implantadas na área em janeiro de 2014:
Plantio direto de mudas nativas: foi realizado plantio de mudas nativas (Figura 1- Veja na galeria de imagens ao final do artigo) da fitofisionomia que antes ocupava o local, caracterizada como cerrado sensu stricto, formação típica do bioma Cerrado. Foram plantadas 500 mudas, com espaçamento entre plantas de aproximadamente 10 metros, das seguintes espécies: Dalbergia miscolobium (Jacarandá-do-Cerrado), Dipteryx alata (Baru), Hymenaea stigonocarpa (Jatobá), Caryocar brasiliense (Pequizeiro), Myracrodruon urundeuva (Aroeira), Anadenanthera colubrina (Angico), Plathymenia reticulata (Vinhático) e Astronium fraxinifolium (Gonçalo-Alves). Precedendo o plantio das mudas, realizou-se o coroamento de 1 m2, a abertura das covas (40 cm x 40 cm x 40 cm), a adição de 500 g de adubo orgânico (esterco) e 150 g de N:P:K na formulação 4:14:8.
Poleiros artificiais: cinco poleiros artificiais, medindo aproximadamente 2,5 metros de altura e 2,5m de comprimento, confeccionados com bambu e amarrados com cipós foram instalados na área de estudo.
Transposição de solos (topsoil): porções de camada superficial de solo foram retiradas de áreas recém-exploradas, sendo então transpostos na área de estudo, distribuídos de forma aleatória (Figura 2 - Veja na galeria de imagens ao final do artigo) ao longo dos núcleos de galharia (curvas de nível verde).
Núcleos de galharias (“curvas de nível verde”): foram implantadas 3 curvas de nível verde (Figura 3 - Veja na galeria de imagens ao final do artigo), perpendiculares à declividade do terreno, com comprimento médio de 100 metros. As mesmas consistem de material lenhoso basculhado, oriundo da supressão vegetativa em áreas industriais, devidamente licenciadas. As curvas de nível verde seguem a mesma metodologia proposta para núcleos de galharia, nos quais o material lenhoso é incorporado ao solo e atrai elementos da fauna e da flora, propiciando estabelecimento de novas espécies e controle de processos erosivos.
2.2.3. Avaliação técnica
As avaliações foram realizadas mensalmente, no período de janeiro de 2014 a janeiro de 2015. No plantio direto de mudas nativas, a avaliação foi realizada através da mensuração da altura de cada plântula. Na avaliação da transposição de solo foram contabilizadas as plântulas emergentes, classificando-as de acordo com o hábito (ervas, árvores, lianas), enquanto nos núcleos de galharias (curvas de nível verde) observou-se a ocorrência de vestígios que indicassem o acesso de animais (pegadas, fezes, pelos), bem como propágulos por esses dispersados e estabelecimento de vegetação arbustivo-arbórea.
2. Resultados e discussão
Verificou-se que o isolamento da área de estudo, por meio do cercamento, eliminou o principal fator de perturbação evitando a pressão de pastejo e pisoteio de criação sobre a vegetação, representando uma medida de fundamental importância no processo de recuperação.
Foi observado através das avaliações realizadas que o incremento médio mensal, em altura, das mudas de espécies nativas plantadas foi equivalente a 4 cm. Contudo, nos primeiros meses após o plantio as mudas passaram por um período de aclimatação às novas condições do ambiente, apresentando crescimento reduzido. Após o terceiro mês de plantio, as mudas apresentaram crescimento mais vigoroso com destaque para Anadenanthera colubrina (Angico), Astronium fraxinifolium (Gonçalo-Alves) e Plathymenia reticulata (Vinhático), espécies pioneiras.
O principal intuito da técnica de transposição de solo (topsoil) foi a introdução de banco de sementes viável, bem como espécies pioneiras que se desenvolvem e proliferam-se em núcleos, atraindo a fauna para o local. Além disso, a microbiota do solo e os microrganismos transpostos tem a propriedade de estabelecer-se na nova área, incrementando o processo de ciclagem de nutrientes, como evidenciado na área estudada.
Foi constatado o enriquecimento florístico das áreas, principalmente ao longo das curvas de nível verde. Nestes, foi evidenciado vestígios de fauna, representada basicamente pelos grupos mastofauna e avifauna. Além disso, constatou-se o estabelecimento de espécies pioneiras, forrageiras e leguminosas.
3. Conclusões
Uma nova tendência de modelos de restauração vem primando por abordagens mais amplas e integradas, buscando uma visão sistêmica da paisagem. A proposta do modelo de nucleação prioriza refazer processos naturais da sucessão aleatória, direcionando a comunidade para a sua integração com a paisagem que a rodeia.
Verificou-se que decorrido um ano do isolamento da área e início das avaliações, o plantio de espécies nativas e o estabelecimento de núcleos de galharia na forma de curvas de nível verde foram os métodos mais promissores para o sucesso do projeto de recuperação de área degradada.
Na transposição de galharia em curvas de nível, chamadas no presente estudo de curvas de nível verde, mesmo com a recomposição das leiras, foram encontrados fungos que possibilitaram uma significativa decomposição da matéria orgânica. Com isso, as leiras servem como fonte de alimento aos decompositores, promovendo a formação de um microclima favorável para a sobrevivência da micro e mesofauna, que possuem importante papel na polinização e dispersão de sementes.
Estas técnicas de nucleação utilizadas representam um avanço em modelos de restauração, expressando o forte caráter ético com a conservação e manejo das paisagens. Os núcleos formados mostram que pequenas interferências a nível local e de contexto, promovem conectividade e integração das áreas naturais e produtivas, tornando o processo de restauração ecológica mais eficiente quando comparado aos métodos tradicionais.
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(*) Gabriel Vargas Mendonça, Engenheiro Florestal (M. Sc.); Osmar Alves Ferreira, Biólogo; e Alexandre Siqueira Araújo, Engenheiro Florestal, todos da Kinross Brasil Mineração.
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